terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O que faz seu natal feliz?

  A campanha publicitária “O que faz você feliz?” chamou-me a atenção no final de 2007. Trata-se de campanha publicitária de uma rede de supermercados.
A versão de Natal dessa propaganda levou-me a fazer uma rápida pesquisa a respeito e descobri que a campanha publicitária “O que faz você feliz?”, que já foi narrada por Arnaldo Antunes, é uma adaptação de uma poesia deste artista e iniciou-se em março daquele ano no intervalo do Fantástico.
Numa das versões da propaganda dizia:

"O que faz você feliz?
Comer morango com a mão
Por açúcar no abacate 
Brincar com melão, goiaba, romã, jabuticaba 
Ou é o gostinho de infância que te faz feliz? 
Cuspir sementes de melancia 
Falar besteira, ficar sem fazer nada 
Plantar bananeira ou comer banana amassada 
A lua, a praia, o mar 
A rua, a saia, amar... 
Um doce, uma dança, um beijo, 
Ou é a goiabada com queijo? 

Afinal, o que faz você feliz? 


Chocolate, paixão, dormir cedo, acordar tarde, (...)"  e assim vai.

Não entendo muito de propaganda e marketing, mas, é possível perceber o diálogo com o consumidor; assim num tipo de auto-ajuda, fazendo o consumidor acreditar que possa, naqueles instantes, pensar acerca do que o faz feliz, mas induzindo-o com as imagens de que comprando naquela rede de supermercados você será feliz. Afinal de contas, lá é “o lugar de gente feliz”.
A versão de Natal desta campanha publicitária pergunta: “O que faz seu natal feliz?”
E o texto também vem enumerando diversos elementos e termina: “... estar com a família e com os amigos, aproveitar as festas, comer tudo o que você sempre quis?”
Não quero aqui, de forma alguma, crucificar a rede de supermercados, mas apenas pegando-a como exemplo de como, e de uma forma geral, tem sido o sentido do Natal em uma sociedade consumista.

De um lado, a humildade da vinda do Rei que quando “completados os dias de Maria, deu ela à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.”1 E de outro, o da sociedade consumista, onde se pode comprar um kit de natal “Noite Feliz Presépio” ou “Noite Feliz Manjedoura”. Noite feliz manjedoura? Chega a ser bizarro.
O que deve fazer nosso Natal feliz?

Será que é apenas “aproveitar as festas, comer tudo o que sempre se quis?”.
Em meio deste clima natalino-consumista lembrei-me do conto “A pequena vendedora de fósforos” do escritor dinamarquês Hans Cristian Andersen, que segue na íntegra:

“Era véspera de Natal. Fazia um frio intenso; já estava escurecendo e caía neve. Mas a despeito de todo o frio, e da neve, e da noite, que caía rapidamente, uma criança, uma menina descalça e de cabeça descoberta, vagava pelas ruas. Ela estava calçada quando saiu de casa, mas os chinelos eram muito grandes, pois eram os que a mãe usara, e escaparam-lhe dos pezinhos gelados quando atravessava correndo uma rua para fugir de dois carros que vinham em disparada. Não pôde achar um dos chinelos e o outro apanhou-o o rapazinho, que saiu correndo, gritando que aquilo ia servir de berço aos seus filhos quando os tivesse. A menina continuou a andar, agora com os pés nus e gelados. Levava no avental velhinho uma porção de pacotes de fósforos. Tinha na mão um caixinha: não conseguira vender uma só em todo o dia, e ninguém lhe dera uma esmola – nem um só real.
Assim, morta de fome e de frio, ia se arrastando penosamente, vencida pelo cansaço e desânimo – a imagem viva da miséria.
Os flocos de neve caíam, pesados, sobre os lindos cachos louros que lhe emolduravam graciosamente o rosto; mas a menina nem dava por isso. Via, pelas janelas das casas, as luzes que brilhavam lá dentro. Sentia-se na rua um cheiro bom de pato assado – era véspera de Natal -; isso sim, ela não esquecia.
Achou um canto, formado pela saliência de uma casa, e agachou-se ali, com os pés encolhidos, porque não tinha vendido uma única caixinha de fósforos, e não ganhara um vintém. Era certo que levaria algumas lambadas. Além disso, em sua casa fazia tanto frio como na rua, pois só havia o abrigo do telhado, e por ela entrava uivando o vento, apesar dos trapos e das palhas com que lhe tinham tapado as enormes frestas.
Tinha as mãozinhas tão geladas... estavam duras de frio. Quem sabe se acendendo um daqueles fósforos pequeninos sentiria algum calor? Se se animasse a tirar um ao menos da caixinha, e riscá-lo na parede para acendê-lo... Ritch!... Como estalou, e faiscou, antes de pegar fogo!
Deu uma chama quente, bem calara, e parecia mesmo uma vela quando ela o abrigou com a mão. E era uma vela esquisita aquela! Pareceu-lhe logo que estava sentada diante de uma grande estufa, de pés e maçanetas de bronze polido. Ardia nela um fogo magnífico, que espalhava suave calor. E a meninazinha ia estendendo os pés enregelados, para aquecê-los, e... tss! Apagou-se o clarão! Sumiu-se a estufa, tão quentinha, e ali ficou ela, no seu canto gelado, com um fósforo apagado na mão. Só via a parede escura e fria.
Riscou outro. Onde batia a luz, a parede tornava-se transparente como um véu, e ela via tudo lá dentro da sala. Estava posta a mesa. Sobre a toalha alvíssima via-se, fumegando entre toda aquela porcelana da sala tão fina, um belo pato assado, recheado de maças e ameixas. Mas o melhor de tudo foi que o pato saltou do prato, e, com a faca ainda cravada nas costas, foi indo pelo assoalho direto à menina, que estava com tanta fome, e...
Mas – o que foi aquilo? No mesmo instante acabou-se o fósforo, e ela tornou a ver somente a parede nua e fria na noite escura. Riscou outro fósforo, e àquela luz resplandecente viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal! Oh! Era muito maior e mais ricamente decorada do que aquela que vira, naquele mesmo Natal,  ao espiar pela porta de vidro da casa do negociante rico. Entre os galhos, milhares de velinhas. Estampas coloridas, como as que via nas vitrines das lojas, olhavam para ela. A criança estendeu os braços diante de tantos esplendores, e então, então... apagou-se o fósforo. Todas as luzinhas da árvore de Natal foram subindo, subindo, mais alto, cada vez mais alto, e de repente ela viu que eram estrelas que cintilavam no céu. Mas uma caiu, lá de cima, deixando uma esteira de poeira luminosa no caminho.
- Morreu alguém – disse a criança.
Porque sua avó, a única pessoa que a amara no mundo, e que já estava morta, lhe dizia sempre que, quando uma estrela desce, é que uma alma subiu para o céu.

Agora ela acendeu outro fósforo; e desta vez foi a avó quem lhe apareceu, a sua boa avó, sorridente e luminosa, no esplendor da luz.
- Vovó! – gritou a pobre menina. Leva-me contigo... Já sei que, quando o fósforo se apagar, tu vais desaparecer, como sumiram a estufa quente, o pato assado e a linda árvore de Natal!
E a coitadinha pôs-se a riscar na parede todos os fósforos da caixa, para que a avó não se desvanecesse. E eles ardiam com tamanho brilho, que parecia dia, e nunca ela vira a vovó tão grandiosa, nem tão bela! E ela tomou a neta nos braços, e voaram ambas, em um halo de luz e de alegria, mais alto, e mais alto, e mais longe... longe da Terra, para um lugar, lá em cima, onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo, porque elas estavam, agora, no céu com Deus.
A luz fria da madrugada achou a menina sentada no canto, entre as casas, com as faces coradas e um sorriso de felicidade. Morta. Morta de frio, na noite de Natal.
A luz do Natal iluminou o pequenino corpo, ainda sentado no canto, com a mãozinha cheia de fósforos queimados.
- Sem dúvida, ela quis aquecer-se – diziam.
Mas... ninguém soube que lindas visões, que visões maravilhosas lhe povoaram os últimos momentos, nem com que júbilo tinha entrado com a avó nas glórias do Natal no Paraíso.”

O que faz nosso Natal feliz?

Será que poderemos ouvir que: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. (...) Pois, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”2?
Como, em nossos dias, estamos recebendo e tratando Jesus.  Estamos deixando-o com sede, com fome, sem o que vestir, sem lugar para se hospedar?

O que faz nosso Natal feliz?

Azor Nogueira Bruder


1 Evangelho de São Lucas, cap. 2, vers. 6-7
2 Evangelho de São Mateus, cap. 25, vers. 35-40