terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Princípio da Boa-Fé no artigo 422 do Código Civil

BRUDER, Azor Nogueira
FMR – Faculdade Marechal Rondon - Curso de Direito - Disciplina de Filosofia


Objetivo
O presente trabalho tem por objetivo analisar o princípio da boa-fé no artigo 422 do Código Civil (Lei nº 10.406/02).

Posição no Código
Tem-se por importante primeiramente saber a posição do deste artigo dentro do Estatuto. Ele situa-se na Parte Especial do Codex, Livro I – “Do Direito das Obrigações”, Título V – “Dos Contratos em Geral”, Capítulo I – “Disposição Gerais, Seção I – “Preliminares” e estabelece que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

A Regência da Boa-Fé no Código Civil 2002
O constante valor dado à boa-fé no último século constitui uma das mais relevantes diferenças entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, que o substituiu.

O Código Civil de 1916 foi baseado no anteprojeto de Clovis Bevilaqua, na última década do século XIX, com fundamentos no Código de Napoleão e nos ensinamentos da escola alemã dos pandectistas, isto é, com raízes nas diretrizes do Direito Romano codificado pelo imperador Justiniano.

A boa-fé é o cerne da alteração de nossa Lei Civil, da qual deve se destacar dois artigos complementares, o de nº  113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o objeto do nosso trabalho, artigo 422, que determina que: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Como se vê, a boa-fé no Código Civil não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências.

Neste ponto torna-se importante observar que a boa-fé apresenta dois aspectos, a objetiva e a subjetiva. A boa-fé subjetiva – que vigora, por exemplo, em matéria de direitos reais e casamento putativo – corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva apresenta-se, nas palavras do Prof. Miguel Reale[1] “como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal.

Conclui-se assim que o artigo 422 do Código Civil impõe aos contratantes o dever de agir com boa-fé objetiva.

Aplicabilidade do Artigo 422
O preceito do artigo em estudo tem aplicabilidade em todo o âmbito da vida civil, do direito do consumidor ao trabalhista.

Artigo 422 no Direito Consumerista
Como já verificado, as partes devem agir com honestidade e boa-fé durante a negociação ou na execução do contrato sendo que aquela que agir de modo diverso deverá reparar o prejuízo causado à outra.

Nessa toada, a 1ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul confirmou a condenação por falha na execução do contrato à agência e operadora de turismo pela execução defeituosa do pacote turístico contratado, por não conseguir cumprir o contrato oferecido aos contratantes. Os autores da ação tiveram modificado o destino da viagem, três dias antes da data programada, como não podiam modificar as suas férias aceitaram a alteração. O juiz-relator[2] assinalou que em razão do princípio da boa-fé e da proteção das legítimas expectativas, a alteração no roteiro de viagem deveria ser realizada em tempo hábil para que os clientes pudessem reprogramar as férias, possibilitando aos consumidores a alternativa de rescisão do contrato ou de buscarem outra agência de turismo ou outro destino de interesse.”

Outro exemplo prático trata da indenização proposta por empresa que comprou veículo em uma revendedora com a quilometragem alterada. Mesmo diante da alegação da requerida (revendedora) de que o comprador deveria ter examinado criteriosamente o bem antes de adquiri-lo, tratando-se de risco inerente ao negócio, o entendimento do juízo da 17ª Vara Cível de Brasília, é de que o artigo 422 do Código Civil  impõe aos contratantes o dever de agir com boa-fé objetiva. "Neste caso, o réu faltou com esse dever, posto que não informou à autora que havia sido modificada a quilometragem do automóvel."

Artigo 422 no Direito Trabalhista
Nos termos do artigo 422, do Código Civil, busca inclusive a negociação que antecede a contratação as partes devem agir com honestidade e boa-fé, de modo que aquela que desistir do que foi combinado deve reparar o prejuízo causado à outra. Nesse contexto, o empregador é responsável por danos causados ao trabalhador ainda na fase pré-contratual. Com esse entendimento, a Turma Recursal de Juiz de Fora – MG manteve a condenação de uma empresa ao pagamento de indenização por danos materiais e morais a um trabalhador.

No caso em questão, a reclamada (empregadora) alegou em sua defesa que o reclamante apenas participou de um processo seletivo, sem promessa de contratação, e, por não possuir perfil para o cargo, não foi admitido. Mas, para o juiz convocado - Paulo Maurício Ribeiro Pires -, ficou claro que a relação entre as partes extrapolou a mera fase de seleção de candidato, tendo existido mesmo um pré-contrato de trabalho. “O autor foi submetido a exame admissional, abriu conta salário e chegou a receber material para iniciar a prestação de serviços de vendedor. Após todas essas providências, a empresa, sem qualquer justificativa, desistiu da contratação.”

O relator enfatizou que faz parte do poder diretivo do empregador a escolha de profissionais que se enquadrem no perfil da atividade econômica desenvolvida. Entretanto, que isso não significaria poder criar falsas expectativas de admissão e, ao final de toda a negociação, quebrando a confiança, respeito, lealdade e boa fé, sem motivo razoável, dizer que não se interessa mais pelo candidato. Principalmente quando o trabalhador, em busca de melhores oportunidades, desistiu de outro emprego, como no caso do processo, ficando sem nenhum dos dois.

Após analisar os fatos, o juiz entendeu que estão presentes os requisitos necessários ao dever de indenizar e manteve a indenização imposta por sentença, no que foi acompanhado pela Turma julgadora.

Considerações Finais
Pelo exposto, tem-se que o princípio da boa-fé é o pilar das relações contratuais em nosso Código Civil, não se tratando apenas uma conduta ética abstrata, mas sim um imperativo que regula as cláusulas contratuais a uma conduta de franqueza, lealdade e honradez.



[1] Miguel Reale inA Boa-Fé No Código Civil”. 16 de Agosto de 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/ artigos/boafe.htm>. Consultado em: 02/novembro/2010.

[2] Ricardo Torres Hermann, juiz da 1ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul


Referências Bibliográficas

Carta Forense. Adulteração de quilometragem de automóvel gera indenização. 11 de Novembro de 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/ 168715/adulteracao-de-quilometragem-de-automovel-gera-indenizacao>. Consultado em: 02/novembro/2010

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agências são condenadas por falha na execução
de pacote turístico.
 10 de Novembro de 2009. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2000827/agencias-sao-condenadas-por-falha-na-execucao-de-pacote-turistico>. Consultado em: 02/novembro/2010

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Empregador é responsável por danos causados na fase pré-contratual. 10 de Julho de 2009. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1519552/empregador-e-responsavel-por-danos-causados-na-fase-pre-contratual>. Consultado em: 02/novembro/2010



Trabalho apresentado na Disciplina de Filosofia - Curso de Direito - FMR em 09 de Novembro de 2010.

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